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A última navegação da Caravana das Águas realizada na sexta-feira, 13, percorreu o Rio Vaza-Barris para observar as condições dos manguezais, da água e da atividade da pesca artesanal em um dos mais importantes rios da capital sergipana. Com 450 quilômetros de comprimento e nascente na cidade de Uauá, na Bahia, é no bairro Mosqueiro, em Aracaju, que o Vaza-Barris se encontra com o oceano e detém uma importante área de manguezal e vida marinha preservadas.
Áreas de manguezal preservadas próximas à foz do Vaza-Barris | Pedro Bomba
Acompanhada por pescadores e marisqueiras do Mosqueiro, a equipe de pesquisadores do PEAC e membros do Observatório Social dos Royalties (OSR), realizaram percurso pelos principais pontos da pesca artesanal e estiveram na Ponta do Mosqueiro, na foz do Vaza-Barris, nos portos da Orla Pôr do Sol, na Croa do Goré e na Ilha do Baixio.
Pesquisadores do PEAC, membros do Observatório Social dos Royalties, pescadores e marisqueiras visitam Ilha do Baixio | Pedro Bomba
Sendo um dos mais requisitados pontos turísticos de Aracaju, o Mosqueiro ou mais precisamente, a Orla Pôr do Sol, é o ponto de embarque para diversos passeios turísticos pelas águas do Vaza-Barris, e é de lá onde partem lanchas, barcos e catamarãs de diferentes portes.
Nas últimas décadas, os moradores do Mosqueiro estão presenciando um grande montante de investimentos – públicos e privados –para a realização de obras de infraestruturas e ampliação voltadas para o turismo. Embora essas obras tragam melhorias para a população, os impactos trazidos e os interesses do setor turístico e hoteleiro, tem preocupado os pescadores e marisqueiras que observam o gradativo surgimento de casas e condomínios de luxo se avolumando às margens do Vaza-Barris. Por meio de denúncias feitas por moradores, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de Sergipe (MP/SE) realizaram inspeção no Mosqueiro em abril deste ano, e identificaram diversas construções irregulares em áreas de preservação permanente, como manguezais e margens de rio, mas a situação encontrada durante a navegação da Caravana das Águas demonstra que as obras continuam.
Sequência de fotos mostra canteiros de obra às margens do Vaza-Barris | Pedro Bomba
Para Iargo Souza, pesquisador de Ciências Humanas e Sociais do PEAC, a lógica imprimida na região do Mosqueiro nas construções no Mosqueiro negligencia qualquer preocupação com a preservação dos manguezais e do Rio Vaza-Barris. “O que está em jogo é a lógica do dinheiro. Porque para o pescador, a visão da família é a seguinte ‘nós vamos viver a vida toda aqui, nós vamos tirar o sustento a vida toda, minha mãe fez assim, meu avô fez assim, meu bisavô fez assim, então a gente vai viver disso aqui e sempre que a gente puder nós vamos estar aqui’. O dinheiro tem outra percepção, porque a pessoa que conseguiu ter a propriedade e um papel que diz que é dele, a única coisa que ele quer fazer é vender, e aí depois que ele vender, não importa se quem comprou vai destruir o mangue ou jogar esgoto pra ele não faz diferença e a pessoa que comprou ele tem dinheiro, então se ele ficar ali 10 anos e aquilo ali se acabar porque ele não cuidou de nada, então ele vende e vai embora depois”, explica.
Outra preocupação está na quantidade de lanchas e catamarãs aportadas na Orla Pôr do Sol que dificultam e disputam espaço com os pescadores artesanais. Apesar de não haver legislação que impeça os pescadores de ancorarem no porto principal da Orla Pôr do Sol, essa situação acaba inibindo muitos deles que preferem ancorar seus barcos em locais mais afastados. “Já tivemos problemas com pessoas que disseram que os pescadores não podiam aportar por ali porque era o lugar das lanchas. Hoje a gente até prefere deixa nossos barcos mais afastados pra evitar confusões”, explica Edemildo dos Santos, pescador e um dos barqueiros da Caravana.
Sequência de fotos mostram lanchas e catamarãs no Vaza-Barris | Pedro Bomba
Na altura da Ponta do Mosqueiro, a poucos metros da Praia do Viral, uma extensão de mangue refloresce às margens do rio contrariando o cenário costumeiro dos meses anteriores. Todos os finais de semana, dezenas de camionetes 4x4 traziam pessoas para realizar festas e churrascos na pequena croa. O resultado vinha na semana seguinte: restos de comida, latinhas, sacos plásticos e vidros se misturavam à vegetação. A natureza, porém, tratou de retomar o seu espaço e a maré cobriu o caminho por onde os carros passavam. Agora, aquilo que era apenas uma faixa de areia, volta a dar vida ao manguezal.
Faixa de areia com manguezal renascendo na Ponta do Mosqueiro | Pedro Bomba
Marcos Galeno, pescador e morador do Mosqueiro, acompanhou de perto todas as transformações do local. “Aquela parte onde está renascendo o manguezal não existia mais. O grande movimento de lanchas dos ricos e vários carros vindo pela beira da praia e o lixo que eles iam deixando, vidro, muita latinha, muito plástico, isso foi degradando ao ponto de a gente não conseguir mais nem entrar ali para pescar. Porque a gente chegava naquele areal, a gente que é nativo, a gente ia muito para ali ficar com nossos familiares, a gente pescava, curtia com nossa família, mas a gente passou a não ter mais aquele espaço. Agora é que a gente está conseguindo ver o manguezal voltando, a natureza tomando seu lugar de volta e abrindo o braço de rio que estava fechado”, comemora.
O problema maior da Ponta do Mosqueiro, porém, ainda estar por vir e se chama Projeto Maldivas Aracaju, o primeiro bairro de luxo planejado. Compreendido na região que hoje é conhecida como Praia do Viral, o primeiro passo do Maldivas será a construção do Península Club, o “ maior beach club de Sergipe”, segundo assessoria.
Para Galeno, tanto o manguezal, quanto a pesca estarão ameaçadas com a construção desse projeto. “Aquele manguezal vai acabar, porque eles não vão querer que a gente, nós, pescadores, passe por dentro de um resort deles, onde vai ter só barões, só rico, pra gente pescar. Então eles não estão ligando para isso. Eles chegam aqui hoje e aí encontra a gente com nossa dificuldade financeira, eles com muito dinheiro, a gente com a casinha pequena, compra um metro quadrado da nossa terra, compra outro, e assim eles vão até tomar sua terra e jogar você em qualquer lugar aí, destrói e depois eles vão embora, porque eles não querem nem saber, eles não vivem disso, não dependem da natureza”, desabafa.
Marcos Galego (à esquerda), Jil, marisqueira da região e Iargo Souza, pesquisador do PEAC | Pedro Bomba
Também foi observado a presença de ao menos dois empreendimentos sendo construídos às margens do Vaza-Barris, o Villaredo Aruana e o Condomínio Sun View. Em ambos, foi verificado o desmatamento de faixas de manguezal.
Caravana das Águas
Através da Caravana das Águas - iniciativa do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC), por meio do Observatório Social dos Royalties (OSR) - foram realizadas quatro navegações pelos Rios do Sal, Sergipe, Poxim, Vaza-Barris e o Canal do Santa Maria. As coletas das amostras das águas colhidas durante as navegações estão sendo analisadas pelo Instituto Tecnológico e de Pesquisas de Sergipe (ITPS), e após o resultado, o Observatório Social dos Royalties divulgará os dados à sociedade sergipana.
O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC) incentiva o fortalecimento dos Territórios de vida dos Povos e Comunidades Tradicionais. A realização do PEAC é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama.