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Mulheres, Povos e Comunidades Tradicionais e pandemia de covid-19

Março, mês do Dia Internacional das Mulheres. Há cerca de um ano, iniciava-se no Brasil um processo de isolamento social como medida de enfrentamento à pandemia da covid-19. De lá pra cá, muita coisa mudou: toda a precária conjuntura política e socioeconômica na qual vivíamos agravou-se exponencialmente - e a situação não é diferente quando voltamos os olhos para as condições de vida das mulheres de Povos e Comunidades Tradicionais dentro de todo esse processo pandêmico aqui nas terras tupiniquins.

Antes mesmo da covid-19 estourar, pescadoras, marisqueiras, quilombolas, catadoras de mangaba, indígenas, trabalhadoras rurais e outras mulheres de Povos e Comunidades Tradicionais - que vivem em um contexto de desigualdades estruturais e desafios sociais, econômicos e ambientais - se viram sujeitas a um rearranjo de suas vidas, submetidas a um "novo normal", que chegava acumulado por impactos do derramamento de petróleo no litoral nordestino, pelo silenciamento e invisibilização da mídia e pela negligência do Estado.

É a partir desse contexto que devemos nos debruçar sobre os acúmulos, resiliências e desafios enfrentados até agora: a interiorização da covid-19 nas comunidades significou uma precarização ainda maior das condições de subsistência e modos de vida tradicionais, além do aprofundamento das desigualdades de gênero, considerando que recai sobre a figura da mulher toda a carga do trabalho doméstico e de cuidados (reproduzido a partir dos estereótipos de gênero) no momento em que escolas e postos de trabalho são fechados e a família se encontra mais em casa.

Além disso, sob condições de isolamento social, o grupo sofre também com as violências estruturais, a exemplo da violência doméstica num contexto ampliado de subnotificação.

De acordo com a pesquisa "Sem parar: a vida das mulheres durante a pandemia", as inseguranças se materializam em dificuldade para pagar contas básicas, apontadas por 67% das entrevistadas de zonas não-urbanas, o que ganha um tom ainda mais sério quando somado ao dado de desemprego e diminuição de renda das mulheres durante esse período. Cerca de 35% desse grupo perdeu o emprego durante a pandemia, incluindo  trabalhadoras informais, conforme estudos da empresa Famivita.

Não obstante, enquanto 95% das mulheres urbanas entrevistadas nessa pesquisa afirmaram não ter dificuldades para acesso aos meios de prevenção ao vírus, quando direcionadas às mulheres rurais essa proporção cai para 79%, o que sugere que o menor acesso à informação pelas mulheres não-urbanas pode estar relacionado à negação e/ou precarização do acesso à internet nas comunidades, sendo que o uso do whatsapp e seus grupos nesses locais são uma das ferramentas de apoio, escuta, acolhimento e organização das articulações existentes.

Outra questão apontada na pesquisa informa que cerca de 12% das mulheres entrevistadas relataram ter sofrido alguma forma de violência no período de isolamento social, dado que perpassa o problema da subnotificação, ou seja, as estimativas reais podem corresponder a números muito maiores.

Para as lideranças comunitárias, além de todos esses aspectos, há ainda uma sobrecarga gerada pela responsabilidade de cuidar da comunidade através de sua participação política. São elas que estão a cargo da maior parte dos cuidados não remunerados e domésticos. São elas que estão na linha de frente de todo o processo de manutenção e de resistência dos seus territórios.

Nas palavras de Chris Falcão, militante feminista e de direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, "existe o mercado do cuidado, que desvaloriza o trabalho das mulheres, mas a política do cuidado feita pelos movimentos sociais, é, sem dúvida, a chave do futuro.  Vemos esse protagonismo das mulheres negras, indígenas, camponesas, pescadoras nessa evolução de como nós podemos cuidar dessas comunidades, como fazer um desenvolvimento territorial nosso, com base no cuidado, com base em olhar os desiguais, e a experiência da mulher tradicional, sua ancestralidade, traz esse trato do coletivo. Elas são a vanguarda da política, da gestão pública."

Embora a pandemia tenha trazido em seu bojo um processo intenso de aprofundamento das desigualdades de gênero, fruto do patriarcado estrutural, essas mesmas mulheres seguem resistindo, se apoiando, ficando vivas e juntas. É preciso demarcar que o momento é de ainda muitas lutas a serem travadas, superadas. Elas, nós, detentoras da força ancestral, do poder de gerar uma vida, como a terra, nossa mãe, sabemos como ninguém a importância de nos mantermos unidas nessa jornada, que é ainda sobre territórios em disputa, sobre lugares socialmente impostos, os quais devemos invariavelmente rejeitar, unidas e munidas.

 

*Helena Barbosa é integrante da equipe de Educomunicação do PEAC