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esquisadores e representantes de movimentos sociais reuniram-se na “Mesa de Diálogos I: R-existências sociais, organização e formas de reprodução da vida” na manhã desta sexta, 6, para debater os desafios e as possibilidades de atuação em defesa dos territórios dos povos e comunidades tradicionais frente aos impactos do atual cenário político e socioeconômico no Brasil. A mesa de diálogos compõe a programação do X Encontro do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC), que teve início na quinta, 5, e segue até o domingo, 8 de abril, em Aracaju (SE).
Sob a presença de cerca de 140 lideranças comunitárias representantes dos 12 municípios da área de abrangência do PEAC, a mesa reuniu o cientista social e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cristiano Ramalho, a coordenadora do Movimento das Catadoras de Mangaba, Alicia Santana, a advogada do Fórum Suape Espaço Socioambiental, Luísa Duque, o presidente da Associação dos Quilombolas de Brejão dos Negros, Magno de Oliveira, e o coordenador geral do PEAC e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (DGE/UFS), Eraldo Ramos Filho.
Teatro das marisqueiras abriu a mesa de diálogos
Os diálogos foram abertos pelo teatro do Movimento das Marisqueiras de Sergipe (MMS), através do qual foram abordados os conflitos e impactos socioambientais vivenciados pelas rainhas do mangue. “Nós aprendemos a técnica do Teatro do Oprimido com a equipe do PEAC e, desde então, entendemos que qualquer uma de nós pode ser atriz e mostrar a nossa realidade através da arte”, explicou a marisqueira Nice Dias, moradora do povoado Muculanduba, município de Estância (SE).
Criado por Augusto Boal na década de 1960, o Teatro do Oprimido (TO) é uma metodologia que usa a linguagem teatral como ferramenta de diálogo político, social, ético e estético, contribuindo assim para a transformação social. É bastante utilizada por movimentos sociais por toda a América Latina e desde 2014 enriquece os espaços de formação política não só do PEAC, mas todos os outros para os quais o MMS é convidado a participar.
Metodologia do Teatro do Oprimido é utilizada desde 2014 no PEAC
Representatividade
Em representação ao Movimento das Catadoras de Mangaba, Alícia Santana, moradora do município sergipano de Indiaroba, fez um resgate histórico sobre a formação de um dos movimentos mais representativos de mulheres extrativistas do litoral brasileiro, destacando a transformação que ele representa hoje na vida das mulheres. “Nós representamos a resistência de milhares de mulheres ribeirinhas, costeiras e marinhas que vivem na luta pelos seus territórios. É por isso que hoje eu destaco a importância da organização política das mulheres e da busca incessante pelo poder da informação. Principalmente pela compreensão de que as mulheres precisam ocupar todos os espaços e é isso que estamos fazendo aqui”, destacou Alícia Santana.
Alícia Santana destaca a trajetória e a luta das mulheres catadoras de mangaba
O Movimento das Catadoras de Mangaba compõe um amplo leque de grupos e movimentos sociais organizados em defesa não só dos territórios de moradia e trabalho, mas principalmente da reafirmação dos diversos modos de vida que r-existem na terra, no mar e no mangue diante dos avanços cada vez mais agressivos do sistema neoliberal. Dessa forma, para enriquecer o diálogo e fortalecer a troca de experiências, o PEAC também convidou à mesa a advogada Luísa Duque, do Fórum Socioambiental de Suape, que atualmente representa a principal força de contraponto aos impactos trazidos pelo Complexo Industrial Portuário de Suape, em Pernambuco.
Ocupando uma área de 13.500 hectares entre os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, o complexo industrial vem causando expropriações de territórios, destruição de produção agrícola das famílias camponesas, diminuição ostensiva do pescado, entre outros impactos às comunidades que vivem no litoral sul de Pernambuco.
“O território de Suape representa a única opção de vida e de resistência para mais de 30 comunidades que ali vivem, compostas por pescadores e pescadoras artesanais, marisqueiras, famílias camponesas, indígenas e quilombolas. A partir de um marketing centralizado sob a alcunha de ‘amigos do meio ambiente’, o complexo industrial se apropria desses modos de vida e dizima vidas. É por isso que surge o Fórum de Suape, para mostrar à sociedade brasileira que existem outras narrativas, as narrativas que brotam dos territórios, da voz dos atingidos e das atingidas, da lama do mangue. E seguimos resistindo, entendemos que contra os tempos sombrios, seguimos lutando pelo reconhecimento das identidades e dos territórios”, afirma a advogada do Fórum.
Luísa Duque representou o Fórum de Suape
O uso de imagens como ativador das memórias de luta e de resistência conduziu a apresentação de Magno de Oliveira a respeito da trajetória do movimento quilombola no Estado de Sergipe e do fortalecimento das ações a partir das ações e dos projetos articulados pela Associação. “A reafirmação de nossa identidade perpassa pela cultura, pela dança, música, pela educação, os modos de uso da terra e da água, entre outros. Por isso, nós destacamos sempre as narrativas de nossa história, de nossas ações em prol da valorização de nossa cultura”, destacou Magno.
A flor da resistência
“Só tem braço forte quem segura a flor”. Parafraseando Dom Hélder Câmara, o cientista social e professor da UFPE, Cristiano Ramalho, destacou a importância de contextualizar o atual momento político pelo qual o país passa para que se possa compreender a diversidade de frentes de luta.
Cristiano Ramalho fala sobre a importância de fortalecer a luta das comunidades pesqueiras
“Devemos sempre partir das experiências colocadas e é das fortes experiências do povo da pesca que sigo. A força pode se dar de várias formas. Uma delas é sob o autoritarismo, como se deu na ditadura militar e como tentam hoje impor ao país. Outra é resistindo, como aqueles e aquelas que se fortalecem segurando as flores. As flores de resistências são esses caminhos que tomamos diante das situações de imposição, de impactos. A defesa do território é uma defesa da vida e todas as falas que ouço nesse encontro trazem a ideia da resistência e o caminho é esse mesmo, essa é a nossa flor diante da força do autoritarismo”, afirmou Cristiano, que é atualmente um dos maiores pesquisadores sobre a pesca artesanal no Brasil.
“O movimento social emerge quando existe uma relação de injustiça e desigualdade. Não é à toa que tentam nos convencer de que os movimentos sociais são arruaceiros ou vândalos. Porque o neoliberalismo só sobrevive e se fortalece se houver um congelamento das ações de reconhecimento dos povos e das populações tradicionais e da classe trabalhadora de uma maneira geral. Essa carga ideológica da resignação, de que devemos aceitar as coisas como estão postas, não nos cabe. O que nos cabe é resistir segurando a flor das nossas vidas e dos nossos sonhos”, destacou Cristiano Ramalho.
O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC) incentiva o fortalecimento dos Territórios de vida dos Povos e Comunidades Tradicionais. A realização do PEAC é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama.