PEAC e Comunidades tradicionais marcam presença histórica no XV ENCOGERCO

• Por Esdras Amaro 
• 03-11-2025

Projeto Compartilhar/Rede Marangatu-SE

Realizado em Fortaleza (CE), entre os dias 29 de setembro e 2 de outubro de 2025, o XV Encontro Nacional de Gerenciamento Costeiro (ENCOGERCO) reuniu um público diverso composto por representantes de comunidades tradicionais de diferentes regiões do Brasil, membros de órgãos federais, universidades, movimentos sociais, instituições de pesquisa, pesquisadores, técnicos, profissionais da gestão pública e entre outras representações. 

 

Com mais de quatro décadas de atividade, o ENCOGERCO é o principal espaço nacional de diálogo acerca do gerenciamento costeiro e marinho. Esta edição, no entanto,  entrou para a história ao registrar, pela primeira vez, a participação de povos e comunidades tradicionais, que  apresentaram suas experiências, reivindicações e reflexões. 

 

 À presença desses grupos representou um marco político, tanto pela organização  coletiva  para demandar participação em um espaço amplamente excludente e marcado por uma linguagem tecnicista, quanto pela possibilidade de construir políticas públicas junto àqueles que são afetados diretamente pelas problemáticas envoltas em todo o debate do gerenciamento costeiro.

 

A histórica ausência das comunidades tradicionais e da sociedade civil na construção de políticas públicas para a zona costeira revela uma visão limitada e fragmentada, que concebe este espaço primordialmente como um valor de troca – um território a ser ordenado para o usufruto econômico. Nessa lógica, a natureza é reduzida a um mero recurso a ser explorado, e não como um todo integrado onde natureza, trabalho, cultura, ancestralidade, economia, e política se entrelaçam e se realizam. Essa perspectiva, que dissocia sociedade e natureza, ignora que esses PCTs constroem, há gerações, relações de interdependência e cuidado mútuo com os ecossistemas. A expressiva participação no XV ENCOGERCO expôs essa contradição fundamental e evidenciou a dívida histórica do Estado com essas populações. Suas vozes no encontro reforçaram que qualquer política pública que vise à ser democrática e sustentável precisa, necessariamente, entender as sociedades como parte intrínseca da natureza, e não como uma força externa a ela. Trata-se, portanto, de uma questão de justiça e de direito inegociável.

Atualização do PNGC e desafios

Entre os principais temas debatidos no encontro, destacou-se a atualização do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) - instrumento que orienta políticas públicas  e ações voltadas ao ordenamento territorial e uso sustentável das zonas costeiras e marinhas do país. O processo de atualização tem buscado incorporar novas realidades socioambientais, desafios da gestão costeira e os crescentes efeitos das mudanças climáticas.

 

Palestras e grupos de trabalho abordaram a necessidade de fortalecer estratégias de adaptação e mitigação climática, com foco nos ecossistemas sensíveis como mangues, restingas, e estuários. A programação também incluiu apresentações técnicas, exposições de trabalhos e espaços de diálogo entre os participantes. 

 

Desse modo, quatro eixos temáticos foram apresentados como guias de debates presentes na programação e nas discussões presentes nos trabalhos expostos.

 

1. Vulnerabilidade Costeira e Adaptação às Mudanças do Clima

2. Ordenamento Territorial Integrado da Zona Costeira e Marinha

3. Conservação e Recuperação de Ecossistemas Costeiros

4. Participação Social na Gestão Costeira

Participação do FÓRUM DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DE SERGIPE, PEAC E REDE MARANGATU/SE

O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC), por meio do Projeto Compartilhar, marcou presença no XV ENCOGERCO com uma delegação formada por sete (7) pesquisadores e sete (7) lideranças comunitárias, que também representaram a Rede Marangatu/SE, o Movimento de Mulheres Marisqueiras de Sergipe (MMS), Movimento Quilombola de Sergipe (MQS) e o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe (FPCT/SE). A participação teve como objetivo fortalecer o intercâmbio de saberes e experiências, compartilhando a luta e a organização coletiva presente no estado de Sergipe. 

 

Durante o evento, o grupo apresentou pesquisas produzidas a partir de ações do Projeto Compartilhar, desenvolvidas em conjunto com as lideranças. Além disso,  participou dos grupos de trabalho, espaços específicos de debate, onde os relatos das comunidades ganharam maior profundidade. 

 

As representações das comunidades tradicionais de Sergipe contribuíram para a ampliar o debate e para a troca de saberes com diferentes comunidades do país. Ao explicitar as demandas locais e refletir sobre a luta organizada dos povos, fomentaram discussões e articulações importantes para a construção de um PNGC que considere o saber tradicional, os modos de vida e as contribuições dos PCTs para à gestão integrada da zona costeira. 

 

Destaca-se a participação de representantes de comunidades tradicionais dos outros estados da zona costeira, fruto da ampla articulação conduzida com a finalidade de fortalecer a incidência política no encontro, assim como de evidenciar as demandas, denúncias e reivindicações comuns aos territórios e historicamente não consideradas na elaboração da política.     

Os trabalhos apresentados: 

 

"Política Estadual de Gerenciamento Costeiro de Sergipe: gênese, crítica, irregularidades e ilegalidades" 

Autor: Eraldo Ramos, Co Autores: Lideranças Comunitárias e Equipe do Projeto Compartilhar

 

"Educação Popular e Resistência Territorial: Experiência do Maré Cheia" 

Autor: Augusto Cruz, Co Autores: Equipe do Projeto Compartilhar e Lideranças Comunitárias

 

"Mobilização Social e Incidência Política do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe no Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro de Estância/SE"

Autor: Yule Neves, Co Autores: Equipe do Projeto Compartilhar e Lideranças Comunitárias

 

"Participação Social no Gerenciamento Costeiro de Sergipe: Desafios e conquistas dos Povos e Comunidades Tradicionais"

Autor: Bruno Bastos, Co Autores: Equipe do Projeto Compartilhar e Lideranças Comunitárias

 

"Carcinicultura em Sergipe: acumulação por espoliação e conflitos ambientais"

Autor: Carolina Sapucaia, Co Autores: Lideranças Comunitárias e Equipe do Projeto Compartilhar

 

"Cinema e Conflitos na Zona Costeira: Cinema Experimental como Prática Política no Âmbito da Educação Ambiental Crítica".

Autor: Esdras Amaro, Co Autores: Lideranças Comunitárias e Equipe do Projeto Compartilhar

Continuidade da Luta

A presença das comunidades tradicionais no XV ENCOGERCO foi amplamente reconhecida como avanço histórico para a política de gerenciamento costeiro brasileira.   A participação, a escuta e a construção conjunta com os PCTs são imprescindíveis. A inclusão dessas vozes no debate reforça a necessidade de uma gestão ambiental verdadeiramente participativa, descentralizada e atenta às realidades sociais. 

 

Para o PEAC, para o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe e para a Rede Marangatu/SE, a participação no encontro simboliza  a continuidade de uma caminhada construída a muitas mãos, baseada no diálogo entre a universidade e as comunidades, no fortalecimento das identidades territoriais e na luta pela justiça socioambiental. 

 

Contribuições e Apoio: Equipe Técnica do Projeto Compartilhar