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Caravana das Águas encontra Rio Poxim com esgotos abertos e obras de grande impacto ambiental

  • 17-12-2024
Ao longo do percurso, presença de mau cheiro em alguns trechos do rio, tubulações de esgotos oriundas de casas, prédios e estabelecimentos, além da variação na tonalidade da água do Poxim

“A gente precisa observar e denunciar a situação desse rio para que as autoridades tomem conhecimento e façam o que for necessário para que as pessoas continuem pescando”. Foi com esse alerta dado pelo representante da Associação de Pescadores da Atalaia Velha, Luciano Valério, que a Caravana das Águas iniciou na semana passada, a terceira navegação pelos rios de Aracaju, desta vez, percorrendo as águas do Rio Poxim.

A saída dos barcos ocorreu no porto artesanal da Associação Mista de Pescadores da Coroa do Meio e percorreu ao longo de quatro horas, cerca de 20km. As embarcações se deslocaram pelo Poxim em direção ao Rio Sergipe, passando pelo Shopping Riomar, Parque da Sementeira, Treze de Julho, Praia Formosa até chegar ao Bico do Pato – trecho do rio que demarca a confluência com o Rio Sergipe e a proximidade com o oceano. Ao retornar, os barcos da Caravana adentraram o braço do Poxim que margeia os bairros Farolândia, Inácio Barbosa, Pantanal e São Conrado, retornando ao porto da Associação.


Imagens de satélite mostram roteiro das embarcações da Caravana das Águas | Google Earth 


Embarcação da Caravana das Águas navega pelo Rio Poxim | Pedro Bomba 

Ao longo do percurso, foi possível notar a presença de mau cheiro em alguns trechos do rio, tubulações de esgotos oriundas de casas, prédios e estabelecimentos, além da variação na tonalidade da água do Poxim. Nos trechos do rio mais afastados da foz, como o porto da Coroa do Meio e o braço do rio que vai do Parque dos Cajueiros ao São Conrado, foi possível notar uma coloração mais escura.





Contingente de tubulações de esgostos sendo despejados no rio Poxim em diferentes pontos | Pedro Bomba

Embora esses dejetos e as mudanças da coloração sejam notados em trechos específicos, essas alterações indicam a presença de poluição em todo o rio. “Vocês observaram a tonalidade da água? É a poluição que vai se acumulando. No lugar onde o rio tem mais força para empurrar a água, ela fica mais clara, quando ela vai se distanciando da foz, vai perdendo a força e vai acumulando os dejetos. Então você vê a imensidão de canos que tem, todos jogando dejetos crus no rio, isso tira a oxigenação, afugenta o peixe, o peixe fica sem ter alimentação e isso dificulta a vida dos pescadores”, explica Luciano Valério, representante da Associação de Pescadores da Atalaia Velha e membro do Conselho Gestor do PEAC. Ao longo de todo o percurso de navegação, a Caravana das Águas realizou coletas de amostras da água para verificar sua qualidade e medir, através dos parâmetros do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), a dimensão dos impactos ambientais presentes na região.

Os impactos causados pela poluição no Rio Poxim já são percebidos há anos por pescadores e marisqueiras da região. Segundo José Reis, pescador e presidente da Associação Mista da Coroa do Meio, a diversidade de espécies de peixes atualmente é irrisória se comparada a décadas anteriores. “Aqui era a fonte do nosso sustento, eu criei meus filhos da pescaria, a gente não precisava ir pro rio Sergipe porque tinha muito peixe, Robalo, Curimã, Carapeba, a Pescada Selvagem, Pescada Branca, Tainha... E com o tempo, cada dia foi se fechando e hoje a gente se encontra sem lugar para pescar. Eu não vou dizer aos meus filhos ‘vá pescar!’, por que ele vai sustentar a família de quê? A gente que pesca estamos achando que daqui a alguns anos o pescador vai se acabar porque nós não temos mais onde pescar”, desabafa.

Obras, impactos ambientais e pescadores


Máquinas, homens trabalhando e áreas de contenção na obra de duplicação da ponte do Riomar | Pedro Bomba 

Outras ameaças que estão preocupando pescadores da região referem-se às obras previstas para a duplicação da ponte Godofredo Diniz (Ponte do Riomar) e a construção do Complexo Viário Senadora Maria do Carmo que ligará a Avenida Tancredo Neves ao bairro Coroa do Meio. Na altura da ponte do Riomar, já é possível observar o contingente de máquinas, embarcações, homens trabalhando e áreas de contenção formadas por sacos de areia que avançam o rio. Embora a passagem das embarcações da Caravana não tenha sido impedida, a preocupação dos pescadores é que com o avanço da obra a única passagem para o rio Sergipe e para o mar seja interditada, causando problemas drásticos para a pesca artesanal e para a renda de dezenas de famílias.

Já a obra do Complexo Viário Senadora Maria do Carmo – que possui investimento de 318 milhões e teve sua ordem de serviço assinada, segunda, 16, pelo atual governador Fábio Mitidieri – é ainda mais preocupante devido ao tamanho de sua construção e os impactos ambientais que serão gerados. Segundo o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) realizado em setembro deste ano pela empresa Ambientec Soluções Sustentáveis LTDA, - disponível no site da Administração Estadual do Meio Ambiente (ADEMA) - foram identificados 31 impactos ambientais, “sendo a maioria deles efetivos, ou seja, com alta probabilidade de ocorrer durante o funcionamento do empreendimento”. Dentre os impactos listados pela empresa, estão a alteração da qualidade do ar, geração e aceleração de processos erosivos, fragmentação e perda de habitats, intervenções em unidades de conservação e áreas de preservação permanente e interferência na vida e no trabalho de comunidades pesqueiras.

Embora o Relatório de Impacto Ambiental considere a atividade da pesca artesanal como uma atividade que sofrerá impactos ambientais com “sensibilidade de fator Alta e Importância Grande”, o estudo da empresa Ambientec Soluções Sustentáveis LTDA não inclui em seus Planos e Programas Socioambientais, uma política voltada para os pescadores artesanais que serão impactados pela obra. Pelo contrário, em breve passagem encontrada no Relatório, a empresa Ambientec afirma que “a quantidade de pescadores artesanais do Rio Poxim é imprecisa e de acordo com as lideranças entrevistadas, muitos pescadores que atuam no Rio Poxim sequer tem registro de pesca”.


Imagem retirada do Relatório de Impacto Ambiental do Complexo Viário Senadora Maria do Carmo

Em conversa com os presidentes das associações de pescadores da Coroa do Meio e da Atalaia Velha, José Reis e Luciano Valério, respectivamente, o número de pescadores registrados nas duas associações que atuam no Rio Poxim ultrapassam a soma de mil pessoas. “Os funcionários deste empresa estiveram aqui na nossa associação e nós dissemos a eles que nós temos mais de mil pescadores registrados entre a Coroa do Meio, Barroso e Atalaia. Nós dissemos isso a eles, eles anotaram e não colocaram no relatório. Nós temos mais de mil pescadores que pescam no Poxim e são da Coroa do Meio, da Atalaia, do Barroso, da Farolândia, do São Conrado”, explica.

Com o avanço das obras, os riscos iminentes de impactos ambientais se somam às incertezas de políticas compensatórias e mitigatórias voltadas aos pescadores artesanais. Diante dessa situação, uma das preocupações das lideranças é que o acesso ao rio seja interditado, causando interferências na geração de renda e manutenção da atividade pesqueira. “Até agora não sabemos se o pescador vai ter algum tipo de compensação, porque o pescador vai deixar de pescar, porque na altura da ponte, a balsa vai tomar conta do rio e nós não vamos poder atravessar durante a construção, porque em algum momento eles vão barrar a passagem e a gente não vai conseguir chegar no mar ou no rio Sergipe. Essa é a nossa fonte de renda e a construção do viaduto não pode impedir da gente passar. Como eles dizem ‘isso é para preservar a vida de vocês’, mas e a fome? Ela vai ser preservada também?”, desabafa.

 

Programa Peac

O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC) incentiva o fortalecimento dos Territórios de vida dos Povos e Comunidades Tradicionais. A realização do PEAC é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama.