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Caravana das Águas encontra Canal do Santa Maria em completo abandono

Lixo, mau cheiro, dutos de gás e tubulações de esgoto, é essa a realidade enfrentada por pescadores e marisqueiras no bairro Santa Maria

Eram sete manhã da sexta, 6 de dezembro, quando Marlene Santos, catadora de mangaba e ex-marisqueira, nos guiou até o porto improvisado onde se encontravam as canoas que fariam a navegação da Caravana das Águas. De pronto, a Avenida Alexandre Alcino – que mais parece uma rua de paralelepípedo – se encerra num portão grande, amarelo, com duas placas de metais brancas fixadas em suas grades que em outrora já estampou a logomarca da Petrobras (as imagens do Street View revelam o vestígio).

O portão fechado por um cadeado, indicam aos pescadores e marisqueiras o desvio para um caminho improvisado que se estende ao lado da última casa da avenida. Seguindo os passos de Marlene, era inevitável perceber o tamanho da degradação e abandono no qual encontramos o porto do Canal do Santa Maria. A cada passo dado, lixos de diferentes tipos se entrelaçavam à vegetação. Uma grande tubulação de cimento – com suas partes destruídas, diga-se de passagem – quase não era possível de ser notada devida a quantidade de restos de plásticos, embalagens e pedaços de madeiras sobre suas estruturas. Dados alguns passos, uma placa amarela alerta, em letras maiúsculas, a presença de dutos submersos. O aviso só não chama mais atenção, porque à frente, o pequeno trecho de rio exala um mau cheiro combinado com sujeira e poluição.












Sequência de fotos mostra trajeto para chegar ao porto do Canal do Santa Maria | Foto: Pedro Bomba 

“Era um Canal limpo, as canoas tinham acesso até a avenida amarela, mas com a destruição, poluição e o esgoto ficou muito difícil para pescar e para as embarcações chegarem até o porto, isso tornou a pesca e a mariscagem muito complicada, foi aí que desisti de ser marisqueira”, relata Marlene Santos, moradora do Santa Maria.

O local onde ainda há pequenas embarcações ancoradas e guardadas, está tomado por uma lama preta de textura espessa que circunda toda margem, reunindo objetos e restos de lixo impregnados com o tempo. O estado em que o braço do rio se encontra no Canal do Santa Maria, se estende pelo percurso feito por dentro do mangue até chegar ao rio Vaza-Barris. Segundo o pescador Everaldo Santos - que há 40 anos pesca no Canal do Santa Maria -, havia muita fartura na região. “Quando cheguei aqui, vinham canoas, lanchas e outras embarcações que passavam por aqui com carregamentos, passavam pela Coroa do Meio, São Conrado. A gente pescava camarão o ano inteiro. Aqui tinha Tainha, Robalo, Xaréu, Milhocaia, Sardinha, Bagre... Eu pescava caranguejo e me sustentava dessa pesca. Depois fizeram os viveiros de camarão e aí botaram remédio e acabaram com os caranguejos. Aí depois eu passei a pescar de rede e tarrafa”, relembra.


Lixo e lama espessa no porto do Canal Santa Maria | Foto: Pedro Bomba 

Se há 40 anos Everaldo pescava no Canal do Santa Maria e sobrevivia da venda dos pescados, atualmente a situação é muito diferente. “Hoje eu vou pescar só pra não estar em casa, porque a gente vai pescar e não pega nada. Com a maré grande a gente ainda pega um peixinho, mas maré baixa, maré morta, o peixe não desce para cá por conta dessa poluição. Às vezes nem pra comer eu pego (peixe), pra falar a verdade.”, explica.


Everaldo Santos, pescador e morador do Santa Maria | Foto: Pedro Bomba 

Casado com Marlene, Everaldo viu a pesca deixar de ser sua principal fonte de renda para se transformar numa atividade secundária. “O que me sustenta é a aposentadoria, se fosse pela pesca eu não conseguiria... Quando minha esposa trabalhava em casa de família também era o que sustentava, se não fosse isso, a gente estava passando fome”, revela.

O Vaza-barris e a especulação imobiliária

Quando as embarcações deixaram para trás o corredor do Canal do Santa Maria, o rio que se apresentou foi o Vaza-Barris já na altura do bairro São José. Se no bairro Santa Maria a poluição dos mangues e do rio é o principal problema, o que encontramos no trecho do rio entre os bairros São José e Robalo, é a presença de condomínios fechados, casas de luxo e obras imobiliárias. Sem grandes esforços, é possível notar tubulações e dutos expostos desaguando materiais oriundos dessas casas, além de trechos de manguezais arrasados, como é caso das margens do rio onde está sendo construído o Condomínio Villaredo Aruana. Neste local, além de encontrar uma faixa inteira de areal, é possível perceber coqueiros perdendo espaço para palmeiras implantadas e postes de iluminação.






Na sequência: Casas de luxo, areal e construções do Villaredo Aruana | Foto: Pedro Bomba 

Clodoaldo Silveira, morador do bairro Robalo, aponta que pescadores e marisqueiras estão tendo dificuldades para ter acesso ao rio. “No momento está ficando difícil a relação com eles, porque eles disseram que para implantar o condomínio não iam barrar o pescador e marisqueira, só que agora, nessas últimas semanas, eles começaram a impedir a passagem alegando que haviam pessoas empinando motos e os pescadores estão com dificuldades para acessar o rio e as marisqueiras para acessar o mangue”, afirma.

Ao longo de todo o percurso de navegação pelo Canal do Santa Maria e pelo rio Vaza-Barris, a Caravana das Águas realizou coletas de amostras da água para verificar a qualidade da água e medir através dos parâmetros do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), a dimensão dos impactos ambientais presentes na região.


Dutos encontrados às margens do Vaza-Barris | Foto: Pedro Bomba 

Próximas navegações da Caravana das Águas

A Caravana das Águas fará ainda este ano mais duas navegações. As próximas viagens serão pelos rios Poxim e Vaza-Barris, acompanhada por pescadores e marisqueiras dos bairros Coroa do Meio, Farolândia e Mosqueiro.

Programa Peac

O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC) incentiva o fortalecimento dos Territórios de vida dos Povos e Comunidades Tradicionais. A realização do PEAC é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama.