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Atualmente, cerca de 70% do pescado produzido no Brasil é oriundo da pesca artesanal. Apesar deste dado revelar a importância do trabalho de milhares de pescadoras e pescadores, na prática, a situação é, no mínimo, paradoxal para não afirmar alarmante. O que acontece é que, historicamente, os povos tradicionais da pesca – localizados em águas continentais e ao longo do litoral brasileiro – vivem em constantes conflitos socioambientais e têm seus direitos básicos violados diariamente. Isso porque em quase todo o território pesqueiro os conflitos se dão pela disputa do controle dos recursos naturais e pelo domínio sobre o território.
Nestas disputas, segundo o relatório “Conflitos Socioambientais e violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil”, produzido pela Comissão Pastoral de Pescadores (CPP), o outro lado é formado, basicamente, por grandes empreendimentos. “Estes conflitos envolvem grandes decisões políticas, como é o caso da indústria petrolífera que explora processos geológicos milenares ou da transposição do Rio São Francisco que mexe com fatores territoriais, geológicos, hidrográficos, mas, principalmente, com decisões político-econômicas e ideológicas tomadas a partir de interesses particulares”.
As conseqüências dos conflitos são inúmeras e avassaladoras, tendo situações calcadas em ameaças de morte à lideranças, destruição, poluição e privatização das águas e do território pesqueiro.
No rio e no mar: Pescadores em luta
Diante desta situação, o Movimento de Pescadoras e Pescadores do Brasil (MPP), em parceria com a Conselho Pastoral de Pescadores (CPP) organizaram, nos dias 31 de outubro e 1 de novembro, em Propriá (SE), a Oficina sobre Identidade e Território Pesqueiro. A atividade, segundo Alzeni Thomáz, representante da CPP, teve como objetivo “a formação política de pescadoras e pescadores no intuito de fortalecer a luta do movimento (MPP) em defesa dos territórios pesqueiros” .
A oficina faz parte das ações de mobilização desenvolvidas pelo movimento e intensificadas desde de junho de 2012, quando lançada, em Brasília, a Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. A campanha tem como objetivo coletar assinaturas de cerca de 1% do eleitorado brasileiro – equivalentes a 1.406.466 assinaturas – para aprovação de lei de iniciativa popular que propõe a regularização dos territórios.
Segundo informações contidas na “Cartilha Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre Território Pesqueiro”, produzida pelo Movimento, o projeto surge “da necessidade de ter uma lei específica que assegure direitos às comunidades tradicionais pesqueiras. Isto torna-se necessário em virtude das graves ameaças ao meio ambiente e a nossa cultura”.
Marisqueiras de Sergipe
As marisqueiras organizadas na comissão de mobilização do Movimento de Marisqueiras de Sergipe também participaram da oficina. Representantes das comunidades de Tibúrcio, Pontal, Muculanduba, Porto do Mato, Mosqueiro, Pedra Furada, Farnaval e Curimã fizeram parte das atividades.
Segundo Ticiane Pereira, Coordenadora do Projeto de Organização e Fortalecimento Sociopolítico das Marisqueiras, a participação na oficina faz parte de um processo contínuo de articulação com o Movimento de Pescadoras e Pescadores (MPP) iniciado em 2013. “No primeiro encontro inter-regional das Marisqueiras que ocorreu em Aracaju, em 2013, fizemos o primeiro com a Articulação Nacional das Pescadoras do Brasil (ANP) que nos possibilitou o contato efetivo com o movimento (MPP). Na ocasião, as marisqueiras conheceram a campanha nacional em defesa dos territórios pesqueiros”, explica.
Como continuidade da articulação, as marisqueiras – que estão em processo para fundação do Movimento das Marisqueiras de Sergipe (MMS) – participaram da oficina com o intuito de estreitar os laços com os movimentos sociais presentes. “Estas articulações são um caminho necessário para garantir a autonomia das mulheres além da possibilidade de formação e militância política. Nesta atividade fortalecemos os laços com o MPP e também iniciamos as articulações com o Conselho Pastoral de Pescadores”, acrescenta.
Uma agenda comum até maio de 2017 foi definida entre os movimentos. Em janeiro, as marisqueiras participarão da oficina sobre a saúde da mulher pescadora – a oficina é fruto de pesquisa realizada pelo MPP, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Fiocruz. Em maio, será realizado intercâmbio na Bahia com objetivo de ampliar as discussões sobre o território da pesca e preparar os pescadores e pescadoras contra os decretos 8424 e 8425 e retiradas de direitos. Além disso, as Marisqueiras de Sergipe comprometeram-se com a mobilização e coleta de assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular.
A oficina reuniu pescadoras e pescadores de comunidades localizadas nos estados da Bahia, Sergipe e Alagoas, contando com a participação de cerca de 50 lideranças de movimentos sociais. Além do MPP, CPP e das representantes do MMS, também participaram os representantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
O Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras (PEAC) incentiva o fortalecimento dos Territórios de vida dos Povos e Comunidades Tradicionais. A realização do PEAC é uma exigência do licenciamento ambiental federal, conduzido pelo Ibama.